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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Stephen Jones é o mais inventivo chapeleiro da Inglaterra

POSTADO POR EDUARDO LABANCA



Para o designer inglês Stephen Jones, em seus 30 anos de ofício, o chapéu não é mero acessório

O PINGO DO I

Para o designer inglês Stephen Jones, o chapéu não é acessório. Stephen Jones é um careca convicto. Aos 54 anos, é possível que o nascer do cabelo lhe tenha rareado à cabeça. É possível, também, que os fios --outrora escuros-- tenham perdido a coloração. A depender dele, essas dúvidas não serão sanadas. Desde 1º de janeiro de 1980, quando raspou a cabeça pela primeira vez, Jones jamais deixou que a pelugem voltasse a brotar acima da testa. "Minha cabeça era muito grande", explica.

Um médico poderia ver aí um traço de compulsão. Um militar, um exemplo salutar de obediência à norma. Para o estilista britânico, no entanto, a decisão fora tomada em caráter puramente estético: assim como a roupa veste melhor um corpo magro, o chapéu masculino, acredita, sobressai na cabeça calva.

Stephen Jones é o mais refinado e inventivo chapeleiro da Inglaterra. Em 30 anos de ofício, desenhou modelos exclusivos para Madonna, Björk, Mick Jagger, George Michael, Kate Moss, Dita Von Teese, Marilyn Manson e princesa Diana (1961-1997). Hoje, além de contar com três marcas -Stephen Jones Millinery, Jonesboy e Miss Jones- ele colabora com as grifes Dior, Marc Jacobs e John Galliano. Em 2009, organizou a exposição "Hats: an Anthology" (chapéus: uma antologia), que levou 100 mil pessoas ao Museu Victoria & Albert, em Londres. No mesmo ano, foi agraciado com a Ordem do Império Britânico, a mais alta honraria concedida pela realeza no país.

Na infância, Jones, como a maior parte dos garotos (e a menor parte dos estilistas), pensava em ser astronauta. Não nutria uma paixão de berço pela chapelaria e, tivesse um jornal em mãos, preferia transformá-lo em barquinho a chapéu. Adolescente, serviu à Marinha, virou punk e, após visita a uma exposição de moda em Londres, resolveu se matricular na Saint Martins, principal faculdade de design da Inglaterra. Como conta no livro "Hats: an Anthology", lançado com a exposição de 2009, descobriu, rapidamente, que não levava jeito para a coisa: "Enquanto a turma fazia lindos vestidos de baile, eu mal conseguia segurar uma agulha".

Aos 19 anos, por intermédio de um professor que queria ajudá-lo (ou melhor, forçá-lo a aprender), Jones conseguiu um estágio na Lachasse, extinta grife britânica de luxo. Rente à sala de costura estava o setor de chapelaria. Foi amor à primeira vista. "Não fui eu que escolhi os chapéus. Os chapéus me escolheram", costuma dizer.

Quando Jones ingressou no ofício, no final dos anos 1970, a chapelaria estava em baixa. A estética hippie e descabelada da época relegara os chapéus a um pequeno grupo antiquado que, em tese, nada entendia de paz, amor e perdição. Em seu livro, ele conta que, até então, para ele, "os chapéus vinham de um mundo bizarro, com pessoas de sobrancelhas arqueadas e estranhos rituais formais."

CHAPÉU DESERTO

Com o tempo, no entanto, passou a pregar que tudo pode ser chapéu. Já se utilizou de pirulito, palito de fósforo, sola de sapato ou acrílico. Fez chapéus inspirados nas formações rochosas de um deserto americano, no logotipo do metrô de Londres ou nas frutas e nos legumes da feira (não por acaso, considera Carmen Miranda uma de suas maiores influências). Diz que as ideias podem vir de um marco arquitetônico, como a Royal Opera House de Londres, ou de um peixe com batata frita, prato-símbolo da (péssima) gastronomia britânica. "Meus chapéus são autobiográficos", ensina.

Hoje, com o prestígio conquistado, um chapéu com sua assinatura não sai por menos de 300 libras (cerca de R$ 800). "No mês passado, vendi um por 8 mil libras (mais de R$ 21 mil)", apressou-se em dizer. A quem reclama do preço, ele relata uma cena protagonizada por John Pico John, importante chapeleiro de Nova York entre os anos 1940 e 1960: ao escutar de uma cliente que o valor pedido por um turbante era exagerado, ele desenredou a peça, entregou-lhe o pano e disse: "Madame, o material é gratuito".

Jones interpreta o causo da seguinte forma: quem adquire um chapéu compra um sonho, não a realidade. Ele diz que a moda não está aí para refletir os problemas do mundo, "mas para ajudar a deixá-lo mais suportável". Cita um exemplo: "O atentado de 11 de setembro ocorreu dois dias antes de uma semana de moda. O mundo lá fora se acabando e nós discutindo se o chapéu deveria ser amarelo ou preto. Gosto de pensar a moda como uma forma de compensar as dificuldades da vida". Seguindo essa lógica, considera os anos 1940 a época áurea da chapelaria: "Durante a Segunda Guerra, faltava todo tipo de material. E as pessoas, em vez de desistirem, tinham que inventar tecidos para fazer chapéus. Não foi um momento virtuoso, mas foi um dos mais inventivos".

Quando não está viajando (na semana em que o encontrei, tinha compromissos em Paris, Antuérpia e Xangai), Jones costuma acordar às 6h. Aproveita o início do dia para desenhar novos chapéus e tomar café com o companheiro, Craig, que também o assiste na empresa. Às 10h, chega ao ateliê, geralmente usando uma roupa velha, um relógio de pulso disforme (igual aos pintados por Salvador Dalí) e, claro, um chapéu, que pode ser de sua lavra ou assinado por outrem. "Acabei de encomendar um para o Justin Smith (que, junto com Jones e Philip Treacy, ocupa o o triunvirato da chapelaria britânica). Ele ficou muito surpreso." Diz não ter um xodó na sua coleção de chapéus: "Estou sempre insatisfeito".

Jones trabalha em um pequeno ateliê em Covent Garden, bairro nobre de Londres. Conta com uma equipe de 15 funcionários para produzir cerca de 600 chapéus por mês. Para as grifes que levam seu nome, faz até cem exemplares de cada modelo. Para a Dior, no máximo dez. Já a clientela mais sofisticada (leia-se abastada) exige o privilégio da exclusividade. Pior do que cruzar com alguém usando o mesmo vestido é cruzar com alguém usando o mesmo chapéu.

Ele acredita que o chapéu tenha surgido como adorno. "Nas sociedades tribais", diz, "o pajé pode estar quase nu, mas tem algo na cabeça. Na Inglaterra, os policiais usam chapéus que não os protegem de nada, mas denotam autoridade". O estilista John Galliano, com quem Jones colabora, pensa parecido. No prefácio do livro "Hats, an Anthology", Galliano escreve: "O chapéu é o acento, o pingo no i, o ponto de exclamação. Imaginar uma modelo sem chapéu é imaginar uma chaleira sem tampa. Pense em Charlie Chaplin sem cartola, em Robin Hood sem boina, na rainha sem coroa; a imagem não casa".

Jones diz que o segredo está em definir quem é o protagonista e quem é o coadjuvante: "Você precisa chegar a um equilíbrio, para que o chapéu ou a pessoa assumam o comando, dependendo da vontade dela". Ele explica: "Quando faço um chapéu para o Marilyn Manson, o protagonista é o Manson. Quando faço um chapéu para um baile de gala, o protagonista é o chapéu". Assim, quando desenhava chapéus para a princesa Diana, Jones não tinha a menor dúvida: era ela quem deveria sobressair.

"E se fizesse um para a atual princesa, Camilla?", perguntei. O estilista fechou a cara, respirou fundo e respondeu: "Só trabalho com a mulher número 1".

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